“Estou feliz da vida.” Era exatamente isso que estava escrito ao lado da foto sorridente de Cátia, no Orkut. No Facebook, a mesma foto com seu sorriso e cabelos negros lisos, a verdadeira imagem da perfeição e felicidade plena. Sua alegria também era retratada nas frases do Twitter, tais como “Dia mais feliz do mundo”, “Eu sou feliz”, “Amo meu namorado”, e por ai vai uma relação interminável.
Melancólica, Cátia se sentou diante do computador. A tela exibia seu Orkut, que listava várias imagens também sorridentes. “Meus amigos”, ela pensou, mas a melancolia se abateu ainda mais forte. Não eram exatamente amigos, daqueles na casa de quem a gente vai, sai com eles para uma lanchonete ou bate um papo ao vivo. Eram pessoas que haviam saído de algum chat ou comunidade virtual. Enfim, eram amigos virtuais, vivendo suas vidas virtualmente felizes na tela de um computador. Ah, o namorado também era virtual.
Cátia sentiu falta de um colo de verdade. Lembrou-se do pai, o delegado Augusto, que um dia chegou em casa e falou que um bandido homiziou-se na favela. “Homiziou-se?”, ela perguntou naquele dia. “O que é isso, pai?” O Dr. Augusto riu, e disse: “Homiziar-se é esconder-se.” Era exatamente isso que Cátia acabava de sentir a respeito de si mesma: havia se homiziado num mundo virtual, navegando em páginas de relacionamentos também virtuais, fingindo-se feliz com suas melhores fotos e frases perfeitas.
Ela não era a mulher forte e decidida retratada em suas frases de descrição de perfil ou na lista de comunidades. Aliás, participava de várias comunidades com ênfase no poder feminino, inclusive no de sedução, mas, na verdade, nem tinha muito jeito com os rapazes e passava horas para se decidir a respeito da maioria dos assuntos. Não era nada parecida com a líder nata retratada naquelas páginas.
Cátia mergulhou o rosto choroso na palma das mãos abertas. Aquilo tudo eram apenas verdades virtuais. Refletia o que ela queria ser e não o que ela realmente era. Pensou na diferença óbvia entre as palavras envolvendo esses conceitos: “virtual” e “real”. Sentiu falta dos amigos da igreja e dos passeios juntos. Sentiu saudades até daqueles acampamentos desastrosos com os Desbravadores, quando chovia e estragava tudo. “Mas era tão intenso”, ela lembrou, “tão verdadeiro.” Fez uma pausa em seus pensamentos e chorou ao se lembrar da chuva caindo sobre a lona da barraca mal estacada. “Era tudo tão REAL!”
A jovem enxugou o rosto e olhou para a tela reluzente do computador. Não era exatamente ela que estava retratada naquelas páginas. Iria reformulá-las em breve. Apesar dos bons amigos que encontrou nesse universo de dados e imagens sorridentes, queria sair mais de seu refúgio e se relacionar com pessoas que se materializassem de verdade diante dela.
Cátia pegou o telefone e ligou para uma amiga da Igreja:
– Oi, Pri. Saudades de você. Não estou muito bem hoje e queria conversar com uma amiga.
– Sério! Mas vi seu Orkut hoje. Você me pareceu tão feliz.
– Pois é. Mas, às vezes, uma verdade virtual pode ser uma mentira real.
Denis Cruz
Fonte: www.outraleitura.com.br