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O caminho da superação para as vítimas de estupro é doloroso, pois esse tipo de violência é considerado tortura, uma das mais graves formas de abuso. O estupro desumaniza as pessoas, choca a comunidade e deixa cicatrizes emocionais que podem durar pelo resto da vida, se não houver uma iniciativa eficaz. O Manual de Prevenção do Abuso Sexual, publicado pelo Save the Children (Salvem as Crianças), menciona várias consequências desse tipo de violência, entre as quais estão as seguintes:

Consequências a curto prazo

Físicas: pesadelos e problemas com o sono, mudanças de hábitos alimentares, perda do controle de esfíncteres.

Comportamentais: consumo de drogas e álcool, fugas, conduta suicida ou de autoflagelo, hiperatividade, diminuição de rendimento escolar.

Emocionais: medo generalizado, agressividade, culpa e vergonha, isolamento, ansiedade, depressão, baixa autoestima, rejeição ao próprio corpo.

Sexuais: conhecimento sexual precoce e impróprio para a idade, masturbação compulsiva, exibicionismo, problemas de identidade sexual.

Sociais: déficit em habilidades sociais, retração social, comportamentos antissociais.

Consequências a longo prazo

Físicas: dores crônicas gerais, hipocondria ou transtornos psicossomáticos, alterações do sono e pesadelos constantes, problemas gastrointestinais, desordem alimentar.

Comportamentais: tentativa de suicídio, consumo de drogas e de álcool, transtorno de identidade. Emocionais: depressão, ansiedade, baixa autoestima, dificuldade para expressar sentimentos.

Sexuais: fobias sexuais, disfunções sexuais, falta de satisfação ou incapacidade para o orgasmo, alterações da motivação sexual, maior probabilidade de sofrer estupros e de entrar para a prostituição, dificuldade de estabelecer relações sexuais.

Sociais: problemas de relacionamento interpessoal, isolamento, dificuldade de vínculo afetivo com os filhos.

Como se vê, o estupro é crime violento, com implica- ções médicas, psicológicas, legais e sociais. Nancy Clark e Catherine Kroeger afirmam que “a jornada rumo à esperança e à cura é longa e árdua” (Refúgio Contra o Abuso [CPAD: Rio de Janeiro, 2006]), p. 9. Portanto, os que decidem percorrer essa estrada são considerados sobreviventes.

Telma* se acha entre aqueles que lutam contra a sombra do passado. Com 16 anos de idade, tem uma história que ela e os pais jamais gostariam de relembrar. Estuprada por um tio aos 9 anos, seu sentimento de pureza e dignidade foi destruído abruptamente. Timidez, isolamento, desinteresse por brinquedos e estudos foram as primeiras consequências. Além disso, ela passou a ter pesadelos que a deixaram assustada e insone por alguns anos.

Quando os pais perceberam essas mudanças de comportamento, começaram a agir. Inicialmente, a filha não queria falar sobre o problema. Mas, algum tempo depois, ela revelou que tinha agido desse modo com medo de que o tio cumprisse o que havia prometido: represálias.

Felizmente, o agressor se mudou para um lugar distante, e isso foi bom para que a vítima ficasse menos tensa. Contudo, o que mais tem contribuído para a recuperação da garota é o amor dos pais e o apoio da comunidade. De fato, o papel da família é essencial na recuperação física e emocional das vítimas de abuso.

Os pais e um conselheiro ajudaram Telma a dar os três passos sugeridos por Clark e Kroeger (ibid., p. 111-116):

1. Ouse sonhar. A vítima não tinha condições de reagir por si mesma. Por isso, jamais conseguiria olhar com esperança para o futuro. Mas, com o auxílio dos pais e as orientações do conselheiro, ela vislumbrou a possibilidade da cura.

2. Fale. Nessas horas, os ouvidos dos pais e conselheiros têm que ser maiores que a boca. Por quê? Porque a vítima precisa falar, mas nem sempre está disposta a fazê-lo. Com o tempo, Telma abriu gradativamente o coração e revelou seus temores e ansiedades, o que contribuiu muito para que se desenvolvesse um clima de confiança.

3. Aceite ajuda. A princípio, Telma achou que não tivesse força para sair do poço em que se encontrava. Sua autoestima estava lá embaixo também. A essa altura, o conselheiro falou sobre os talentos da garota, dizendo que, se eles não fossem cultivados, uma vida preciosa ficaria no esquecimento. Ele citou exemplos de superação e tocou em dois pontos indispensáveis: acreditar no valor próprio e superar a raiva e o ressentimento. Esse processo durou quase cinco anos. A autoestima ressurgiu das cinzas e os sentimentos de raiva foram sepultados.

Hoje, Telma participa regularmente nas atividades da igreja de sua confissão religiosa. A timidez deu lugar à segurança, que está crescendo a cada dia. O isolamento deu lugar à interação com amigos. Acima de tudo, não falta amor nem compreensão no ambiente de sua família.

Muitas pessoas se mostram capazes de se superar – e se superam – até mesmo dos abusos mais extremos, auxiliadas pelo apoio da família e dos amigos, pelo uso de terapias especificamente adaptadas à sua situação e desfrutando de privacidade, segurança e tempo para digerir e aceitar gradativamente a experiência vivida. Erica Goode, The New York Times, 9 de maio de 2013.

Dicas para superação

▪ Não se culpe pelo que aconteceu.
▪ Não tente aliviar a dor do abuso sofrido através de meios como: álcool, drogas, comer compulsivamente, automutilação.
▪ Desenvolva atividades criativas: música, pintura, escultura; e não esqueça seu lado espiritual, seu verdadeiro ser.
▪ Cuide de si mesmo com carinho, olhe no espelho com a cabeça erguida, pois você é forte e pode vencer; não merece sofrer por causa do erro de outro ser humano.
▪ Se você for mulher, arrume-se, vista sua melhor roupa, use perfumes; não se esqueça de que você merece ser feliz e não deve se esconder dentro de uma casca feia.
▪ Tire proveito das coisas boas da vida, mesmo que seja pelo ensinamento do que passou.
▪ Lembre-se de que o fato de você estar vivo(a) é uma dádiva divina, visto que morrem muitas vítimas de violência sexual. Muitas pessoas se mostram capazes de se superar – e se superam – até mesmo dos abusos mais extremos, auxiliadas pelo apoio da família e dos amigos, pelo uso de terapias especificamente adaptadas à sua situação e desfrutando de privacidade, segurança e tempo para digerir e aceitar gradativamente a experiência vivida. Erica Goode, The New York Times, 9 de maio de 2013.
▪ Denuncie, pois isso ajudará você a sentir que fez o que devia fazer. Isso alivia a culpa de pensar que deixou seu agressor livre para abusar de outras pessoas ou voltar a atacar você.
▪ Procure ajuda de amigos, familiares, professores, instituições, comunidades, blogs. Muitas vezes, uma conversa pode mudar completamente sua vida.
▪ Evite situações, pessoas e objetos que lembrem o que aconteceu. Lembranças são inevitáveis, mas o que as torna construtivas ou destrutivas é sua atitude diante de fatos passados.
▪ Prepare-se para ajudar outras pessoas, seja voluntário(a) em asilos, casas de crianças, orfanatos e outras instituições que precisam de trabalho voluntário.
▪ Leia livros que falem de fé e esperança.
Fonte: http://ongsuperandoabusos.blogspot.com.br

Mais sobre esse assunto em: Quebrandoosilencio.org

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RUBENS LESSA é conselheiro espiritual e jornalista

* Nome fictício.