famly150Será possível evitarmos repetir comportamentos ruins herdados e aprendidos de nosso passado infantil? Há jeito. Veja como.

Maria nasceu no interior, a mais velha de cinco filhos. Sua mãe cuidava da casa, seu pai empregado numa fazenda e tinha problemas com a bebida. Tinha a doença chamada “alcoolismo”. De cada cem pessoas que ingerem bebidas alcoólicas, cerca de catorze não controlam a quantidade ingerida e bebem até cair. Para estes a solução é a abstinência total de álcool. Cerca de 10% da população mundial sofre de alcoolismo.

O pai de Maria piorou na bebida, agredindo filhos e esposa e um dia declarou que sua mulher teria ir embora. Maria o odiava e referia-se a ele como “bêbado malvado”. Ela ía para um canto da casa nos seus 8 anos de idade, tremendo de medo ao ver seu pai chutando os irmãos e gritando com a mãe dela. Quando ele berrou que a esposa sairia de casa, as crianças se agarraram na saia dela, suplicando para não ir. Ela saiu, ameaçada pela violência do marido.

Algumas crianças foram morar com parentes e Maria ficou com o pai, crescendo cheia de amargura e ódio por ele pelo que ele havia feito com a família. Com 20 anos de idade casou-se e ficou anos sem notícias dele. Um dia ele apareceu procurando por ela. Ele estava mudado. Havia recebido ajuda emocional e espiritual e procurava cada filho buscando reconciliação. Maria havia jurado que não falaria com ele. Não usava mais a palavra “pai”, referindo-se a ele como “aquele cara”. Ela não queria reconciliação. Queria distância dele. Havia tomado a decisão de não ser igual a ele no lidar com os filhos. Ela tinha três filhos agora. Só que lidava com eles de uma maneira ditatorial, agredindo-os com palavras duras, tão dolorosas quanto às de seu pai no passado. Ela não percebia isto. Ou não queria perceber. Nunca perdoava, nunca pedia perdão. Implicava com Teresa, sua filha do meio, gerando nela revolta e rebeldia.

Na adolescência Teresa se envolveu com drogas e a mãe a expulsou de casa. Alguns filhos do meio têm problemas emocionais complicados porque o mais velho recebe afeto especial por ser o primeiro e o mais novo por ser o caçula. O do meio fica meio perdido. Após um casamento complicado com um dependente químico, Teresa teve José que ao chegar na adolescência não aguentava mais as implicâncias da mãe porque ele usava cabelo comprido, óculos escuros o tempo todo e não comia carne. E ela que tinha sido hippie! Ela não controlava sua irritabilidade exagerada e detonava com o jovem filho adolescente.

Aos 18 anos José se juntou com uma mulher mais velha que ele 10 anos. Está na moda isto? É sintoma de algo? Estão copiando alguma novela? Se separou dela oito meses depois, dizendo que ela implicava demais com ele. Igual à mãe dele? É possível casar com alguém bem diferente do pai ou mãe em termos de personalidade? No segundo relacionamento de José, sua mulher sofria porque, dizia ela, ele ficava facilmente irritado e a destratava com palavras duras, embora não a agredisse fisicamente como o avô fazia com os filhos e a esposa. A repetição do comportamento entre gerações nem sempre ocorre igualzinho.

O pai de Maria, Maria mesmo, sua filha Teresa, o filho José, cada geração repetindo o mesmo comportamento emocional, com diferenças, mas o mesmo problema central: amargura, rispidez, abuso verbal. Parece um defeito no DNA passado geneticamente. Mas felizmente a genética não explica tudo. Ela não determina inevitavelmente nosso comportamento. Existe o aprendizado, a escolha, a capacidade de raciocínio, o livre arbítrio e é isto o que pode levar à neutralizar as tendências hereditárias genéticas para doenças do comportamento.

Repetimos a história do passado? Sim e não. Sim, pelo poder da influência genética e cópia do modelo observado durante a infância dos adultos com quem a criança viveu. Não, porque a genética não obriga indivíduos a, inevitavelmente, repetir os mesmos comportamentos. Se assim fosse, por exemplo, todo filho de alcoólico teria que ser alcoólico. Embora, é verdade, a ciência comprovou que filhos de pais com alguma compulsão têm maiores chances de desenvolverem compulsão comparados com filhos de pais sem compulsão.

Evitar repetir a história ruim do passado requer (1)lembrar dela ao invés de fugir da mesma como se nada de ruim tivesse ocorrido; (2)observar com sinceridade e honestidade o próprio comportamento para ver se e como ocorre a repetição de atitudes desagradáveis que você jurava que nunca teria; (3)ao perceber seu comportamento destrutivo herdado e cultivado, decidir lutar para mudá-lo por ver que ele está destruindo relacionamentos, e (4)agir, fazer, atuar, treinar conscientemente o novo comportamento saudável. Você muda quando você muda. As pessoas ao nosso redor (filhos, marido, esposa, esposo, etc.) não têm culpa dos problemas de nosso passado. Não temos o direito de infernizar a vida delas por causa de nossas neuroses. Tem jeito. O pai de Maria teve jeito.

(Os nomes citados aqui são fictícios.)

Dr.Cesar Vasconcelos
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